quinta-feira, 24 de setembro de 2009

O Retiro de Nancí

Onze horas. Sentada na sala, a poltrona começava a ficar desconfortável. Nancí levanta-se em direção a varanda para colocar o lixo pra fora. Era um dos poucos momentos em que saia de casa. Passava dias, às vezes semanas sem nem mesmo ir até a porta. Não gostava muito das pessoas, e quase sempre tinha a sensação de que a recíproca era verdadeira.
Morava em uma cidade pequena, com poucos habitantes. E justamente por isso, os comentários maldosos a respeito de sua auto exclusão eram rotineiros. Uns diziam que ela havia ficado assim após o suicídio de sua única filha, outros, por causa do abandono de seu marido. Todos em comum acordo espalhavam o boato de que sua família era amaldiçoada.

Nancí era uma senhora beirando os setenta anos. Decidira ausentar-se da vida em sociedade após as sucessivas perdas que sofrera. Vivia sozinha, apenas ela e sua cadela “Samantha”. Saía de casa para fazer estritamente o necessário, pagar algumas contas, e para abastecer a dispensa. Toda à noite, sentava-se à mesa e servia-se com uma pequenina porção de arroz integral e carne, sempre deixando um pouco separado para Samantha que prontamente recusava, e aos insistentes brados de Nancí comia também.
De manhã, era acordada pelo barulho das pedras que as crianças jogavam em sua janela divertidamente. Nancí odiava aqueles pequenos demônios com toda a sua força e mais ainda suas mães que permitiam tamanho importuno.
- Demônios! Vocês são filhos do cão! E as mães de vocês umas putas, por não os terem dado educação! Se eu pudesse eu...Eu... Ahhhh saiam já da minha porta!
Ao que as crianças retrucavam:
- Bruxa! Minha mãe disse que você tem pacto com o dêmo!

Nancí sabia o quanto sua vida reservada e exclusa chamava a atenção de todos que ali moravam. Mas ela simplesmente sabia que gostaria de passar o resto de seus dias vivendo desta forma. E mantinha diariamente a ordem de seus afazeres. Tudo minuciosamente repetido a cada novo dia. Acordava, sentava-se demoradamente na ponta da cama, tomava seu banho e varria o chão. No almoço e no jantar a mesma pequena porção de arroz integral juntamente com a carne conservada durante meses no congelador e dividida em partes iguais para durar pelo máximo de tempo que pudesse. Afagava Samantha, e assistia a quase toda a programação da tv. As terças e quintas era quando saía já tarde da noite para colocar o lixo pra fora. Raramente os moradores da cidade a viam em outras circunstâncias.
Em uma certa terça-feira Nancí não saiu para colocar o lixo para fora, também não fora na quinta. Como sua rara presença em público era notada, alguns vizinhos começaram a questionar o sumiço quase que por completo. Teria se mudado? Decidira enclausura-se de vez?
A vizinha do lado, uma das poucas pessoas que Nancí ainda tinha o hábito de cumprimentar quando saia, notou que as luzes continuavam acesas há dias sem serem apagadas e que aparentemente a tv de sua sala estava ligada. Samantha latia desesperadamente nos dois primeiros dias e agora cessara com seus latidos.
Um cheiro forte quase que insuportável vinha da direção da casa de Nancí quando os moradores dos arredores decidiram-se por chamá-la na tentativa de verificar o ocorrido.
Chamaram por horas sem resposta. A vizinha tentou telefonar para sua casa, mas o notou que o telefone estava ocupado. Percebendo os latidos fracos de Samantha, os vizinhos decidiram-se por pular o muro da casa e entrar para ver se algo havia acontecido.
Ao entrar no quintal, o cheiro pútrido aumentara fortemente, olharam pela janela, mas as cortinas tampavam quase toda a vista, notava-se da sala apenas a tv ligada.
Um dos vizinhos arrombou a janela da sala com alguns solavancos conseguindo entrar na casa. Quando entrou deparou-se com a cena mais chocante que já presenciara:
O corpo de Nancí estirado no chão em estado de putrefação, as mãos esticadas na direção do telefone, e o corpo soltando líquidos fétidos e a pele abrindo-se quase que por completo, enquanto Samantha comia parte de sua perna direita.
O homem cambaleou em direção a cadela, afastando-a do corpo, tentando tapar as narinas do forte cheiro que impregnava a sala.

A cidade em alvoroço, uma multidão na porta de Nancí aguardando os legistas retirarem o corpo. Todos alimentando a curiosidade mórbida de saber a causa do acontecido.
Saindo da casa, o legista pergunta ao seu parceiro:
-Qual a causa?
- Provavelmente tentou telefonar para pedir ajuda, mas não conseguiu a tempo, e a cadela trancada em casa e sem se alimentar comeu parte da perna dela. O melhor você não sabe... O jantar ainda estava sob a mesa... Arroz integral e uma pequena porção de carne...
Carne humana! Constatamos quando abrimos o congelador e vimos pedaços cortados de mãos, orelhas, coxas, pedaços de face e tudo mais... Na porta da geladeira estava o cardápio diário: segunda: parte da coxa de meu querido marido, terça: o último dedo da mão esquerda de meu querido marido e assim por diante...
- Caralho cara! Sério isso? E por que essa louca fez isso? Qual a causa da morte?
- Infidelidade meu caro... O marido a traía constantemente, pelo que contaram alguns vizinhos próximos, ela o matou antes mesmo de ele a deixar e o conservou durante meses.
- Que merda! Mas então cara, fala!Qual a causa da morte?
- Hehe. Os exames indicam uma reação do organismo dela a carne... O freezer apresentava um defeito deixando a carne apodrecer quase que por completo, ela comia mesmo assim sem notar... Digamos que foi uma forte indigestão...Hehe.

6 comentários:

  1. Show Natacia!!! Muito bom mesmo.
    Surpreendente minha cara srsrsr ,ameiiii

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  2. kkkkkk Esse aí vai pros especiais!
    Mas que vizinhança heim...Muitas inspirações por vir pelos causos que vc conta daí...kkkk
    Demais Nat!

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  3. E a poetisa mostra as facetas férteis de um lado negro? hehe
    Vc é versatil demais moça!

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  4. hahahahaha Tu é maluca bicho!
    O melhor é o final! rsrs

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  5. rsrsr Ecaaa!
    Insana! Não abondone as poesias faz favor!

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  6. kkkkkkkkkkk

    Ecaaa!
    Insana! Não abondone as poesias faz favor!(2)

    poooo cara a mulher comeu ele?? kkkkkkk

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